Friday, March 28, 2008

Chega de Saudade

Segure-se na cadeira para não sair dançando. Chega de Saudade é um convite para se bailar no meio do cinema. Com trilha sonora que mostra toda a riqueza dos gêneros da música brasileira e interpretações primorosas de Elza Soares é difícil não ter vontade de se levantar da cadeira e sair dançando. Desde forró até clássicos como Carinhoso, fundo musical para uma cena que, sozinha, já valeria o preço do ingresso.

Ambientado em um Clube de Dança de São Paulo, Chega de Saudade, segundo filme da diretora paulistana Lais Bodansky, é uma grande viagem à rotineira vida de pessoas normais e simples. Com extrema sensibilidade, a história de vida de vários personagens é contada tendo um único cenário ao fundo, o clube de dança. Ao longo do filme, este único ambiente parece transformar-se em vários lugares que ganham contornos e cores diferentes para ambientar um bonito jogo entre recordações do passado e o que é vivido na própria noite do baile. Um incrível jogo de câmera, com diferentes perspectivas e tomadas, faz o mesmo salão transformar-se em vários salões. Aliada a uma trilha sonora que ambienta cada situação, paralelamente as histórias vão sendo contadas ao mesmo tempo em que a pista de dança une e amarra todas as diversas realidades de seus personagens. O roteiro bem alinhavado mostra a importância desta técnica na criação de um bom filme.

O forte movimento da câmera de Laís, focando os pés de quem dança e várias vezes fazendo um passeio pelo salão, imprime ritmo à narrativa que aborda inteligentemente questões vitais na vida de qualquer ser humano. Por ser ambientado em um clube com várias cenas de dança, pode-se pensar que Chega de Saudade é um filme "descompromissado". Vencedor do Festival de Cinema de Brasília de 2007, o filme da diretora paulistana toca em questões sensíveis e delicadas com as quais nos defrontamos intensamente ao longo da vida. A fragilidade das relações humanas, o jogo da sedução, o ciúme, o adultério, o esmorecimento dos casamentos, a velhice, o tempo que não se pode perder. Em uma linda cena, Tonia Carreiro, em grande interpretação, diz: “há coisas que só se pode fazer na juventude”.

Chega de Saudade é o título perfeito para um filme que nos convida a refletir sobre a saudade que poderemos sentir ou aquela que podemos deixar de sentir dependendo das escolhas de nossas vidas. Um lindo passeio pelo tempo com a leveza dos pés de quem dança e a riqueza de nossa música popular brasileira.

Wednesday, March 26, 2008

Reflexão sobe o escândalo político em Nova York

As recentes declarações do novo Governador do Estado de Nova York, David Paterson, admitindo ter tido relações extraconjugais e experimentado cocaína e maconha na década de 70, impressionam pelo fato de a opinião pública americana tratar com patente diferença o atual Governador e o ex-Governador Eliot Spitzer. O fato de ter admitido publicamente, e ao lado de sua esposa, as relações fora do casamento e o fato de ter, antes que alguém o denunciasse, anunciado ter experimentado drogas, transformaram-no em bom moço apto a exercer uma função pública. Ao contrário de seu antecessor.

Como em um passe de mágica seu passado “questionável” foi apagado pelo público “mea culpa”. Exatamente por ter admitido em público seus “erros” o perdão foi concedido pela opinião pública que o acolheu vendo neste ato uma prova de caráter. Ao passo que o ex-Governador Spitzer continuou a ter o tratamento de delinqüente e marginal, por ter cometido exatamente o mesmo “erro condenável”. Porém sem tê-lo admitido publicamente.

O que os diferencia? Sem entrar no mérito moral, ambos cometeram o adultério e ambos têm a mesma “culpa no cartório” perante a opinião pública. Por quê um teve aval para exercer o poder e o outro não pôde cumprir seu mandato até o fim? Se o adultério é condenável e impede o exercício do poder, então que ambos não tenham permissão para exercê-lo. Se o adultério é critério que habilita ou descredencia um político a exercer sua função pública, então por quê esta diferença? Se o adultério é um padrão moral que influencia na competência para o desempenho de uma função pública no Estado de Nova York, então qual a justiça do julgamento entre um adúltero confesso e outro não?

Se um político adúltero não pode governar, então que esta seja a regra e que seja aplicada indistintamente a qualquer um que tenha praticado o adultério. Parece-me o cúmulo do falso puritanismo aceitar as desculpas públicas de um e condenar o outro que foi denunciado. Onde está a diferença? Se o adultério é pecado, ambos são igualmente pecadores. Quem tem este poder de absolver ou condenar um político adúltero?

A despeito do fato de relações extraconjugais em nada influenciarem o correto exercício de um mandato político, qual a lógica de, imediatamente após um escândalo sexual que leva um Governador à sua renúncia, aceitar um novo governante que também tenha cometido o mesmo “erro”? Somente o falso puritanismo pode explicar tal situação uma vez que, fosse respeitado critério de a habilitação para um cargo público estar condicionada à fidelidade conjugal, certamente o novo Governador do Estado de Nova York (e tantos outros ex-presidentes), estariam sumariamente excluídos do cenário político americano.




Wednesday, March 19, 2008

TRAÇADOS




Em contornos fortes e definidos

Com as cores do meu desejo

Vou pincelando as linhas do meu estilo.


Em contornos fortes e definidos

Na folha de papel em branco

Vou semeando minha felicidade.

Revisitando situações

Revendo meus personagens

Recriando meu ser.



Em contornos fortes e definidos

Vou pintando minha vida.

Refazendo minha paisagem

Fotografando minha alma

Congelando meus receios.



Em contornos fortes e definidos

Vou marcando minha estrada.

Olhando o ponto de partida

Que é sempre o da chegada.

Tuesday, March 18, 2008

Não Estou Lá

Assisti na sexta-feira a pré-estréia de Não Estou Lá, as muitas vidas de Bob Dylan. Definitivamente não é um filme para o grande público, tanto que a crítica na VEJA não é favorável. Quem for ao cinema esperando uma biografia de Bob Dylan vai se decepcionar.

As várias vidas de Bob Dylan são contadas paralelamente sem conexão de tempo ou linearidade. Pura desconstrução de um personagem que reinventou um gênero musical e criou algo nunca antes pensado. Por sua grandeza ao misturar o folk com o rock, buscando a essência de um novo gênero musical e pouco se importando com o rótulo de ícone de uma geração de contestação, Bob Dylan não mereceria uma biografia convencional. Merece sim, uma obra prima do cinema como este filme.

Não Estou Lá é arte. É poesia, é cinema puro. A exploração de todos os recursos de que o cinema dispõe para contar uma história. Desde o primoroso roteiro com cortes bruscos que ajudam a não costurar o recorte de imagens e histórias até o proposital movimento lento da câmera compondo as cenas onde o principal é a música de Dylan. Não Estou Lá, é fotografia, jogo de luz, contraste entre o real e o imaginário. Uma viagem ao mundo real (com depoimentos verdadeiros) entrecortados com o uso dos diversos personagens sem qualquer nexo que os conecte. A única síntese é a própria música de Bob Dylan que, de forma convincente, conta a história de seu próprio autor.

Para os fãs de Dylan, indispensável. Para os fãs de cinema, roteiro para muita discussão. Não Estou Lá é um filme sem meio termo. Dificilmente alguém permanecerá indiferente

Wednesday, March 12, 2008

A Cidade de todos os brasileiros

Há praticamente três anos não ia ao Rio de Janeiro. Na semana passada, reencontrei esta terra mágica que tanta falta me faz. Não à toa, meu chefe, que é carioca, sofre de banzo do Rio de Janeiro. Se fosse carioca, não sei se conseguiria morar aqui em Sampa (por mais múltipla, intensa e cosmopolita que esta cidade seja).

Ao contrário daqui, o Rio é único. Na realidade, o Rio de Janeiro é um estado de espírito. Estar no Rio de Janeiro é entrar na história deste país, entender a vinda da Corte Portuguesa para cá, sentir o sotaque herdado dos Lisboetas. Viver o Rio de Janeiro é mergulhar em nossa origem cartorária e burocrática, passeando pelos imponentes prédios neoclássicos dos Órgãos Governamentais que um dia centralizaram o controle deste país. Estar no Rio é, ainda, respirar um pouco os ares do poder. Seja ele do morro ou dos antigos palácios.

João Gilberto certa vez disse que o Rio de Janeiro é a cidade de todos os brasileiros. Ao contrário de São Paulo, cidade de todos os povos, o Rio é a cidade mais brasileira que pode existir. É o centro da cultura nacional e aceita todas as manifestações em todos os guetos e cantos. O Rio é democrático. A praia aberta abre espaço para o encontro de todos na quadra de fut-volley onde jogadores famosos jogam com desconhecidos. Na areia, globais e artistas internacionais dividem espaço com o mais comum dos mortais. E, na barraca do calçadão, é possível tomar água de côco tendo na mesa ao lado um músico bastante conhecido.

O Rio de Janeiro tem história. As ruas, bares, hotéis e praias têm sempre uma identidade conhecida e, estar nestes locais, é realmente identificar-se com eles. A única triste exceção é a Barra, um misto de Miami e Brasília sem qualquer identidade. Um lugar que cresce desordenadamente e deixa seu DNA carioca bem mais próximo do Guarujá do que da Zona Sul carioca. A Barra não é Rio. A Barra não pertence ao Rio. É um triste acidente geográfico / imobiliário em terrenos cariocas.

Nesta viagem reencontrei amigos queridos que confirmam a minha melhor definição de amizade: quando se tem um verdadeiro amigo, não importa o tempo da separação e a distância que o separou.No momento do reencontro, o tempo volta à estaca zero e tudo parece como se fosse ontem. Como se o tempo não tivesse passado. Assim foi com Mário e Anna, um reencontro natural, verdadeiro e espontâneo. Conversamos, filosofamos e pensamos sobre a vida com a mesma proximidade de outros tempos quando a cada quinze dias passava inesquecíveis finais de semana no Rio de Janeiro.

Um de meus grandes sonhos alimentados desde aquela época ficou mais forte: ter um apartamento lá para passar finais de semana, férias e feriados. Enquanto não consigo, vou sonhando, com a promessa de que jamais, novamente, passarei três anos sem visitar esta cidade que sempre foi, ainda é, e sempre será, a Cidade Maravilhosa.