Tuesday, March 30, 2010

INVICTUS




Aos trancos e barrancos, parando e voltando em várias cenas para revê-las, após três "sessões", terminei ontem de assistir INVICTUS, filme que mostra a incrível história da Seleção sulafricana de rugby que ganhou a copa do mundo disputada em 1995na África do Sul sob a tutela de Nelson Mandela.

Já conhecia esta história por causa de minha mania de "zapear" livros. Certa tarde havia perdido a noção do tempo em uma livraria transportando-me para a África do Sul daquela época ao deliciar-me lendo algumas páginas do livro (que agora vou comprar) Conquistando o Inimigo, escrito por John Carlin e publicado pela Editora Sextante. O filme, com magistral atuação de Morgan Freeman interpretando Nelson Mandela, baseia-se neste livro e tem passagens que tocam fundo a alma. A impecável direção de Clint Eastwood imprime um ritmo empolgante e emocionante (sem cair na tentação da pieguice) neste que já é, certamente, um dos filmes da minha vida.

Na era do Apartheid, Rugby era esporte de brancos ao passo que o futebol era esporte dos negros que, de tanto odiar os brancos, torciam contra a própria seleção sulafriacana de rugby. Ao assumir o poder, praticamente a um ano da realização da copa de mundo de Rugby na África, Mandela vislumbrou neste torneio uma oportunidade única para unir as duas raças em torno de um ideal comum. E assumiu esta competição como uma questão de Estado colocando-a como prioridade pessoal em seu Governo. Aproximou-se do capitão da seleção convidando-o para uma audiência na qual, em uma incrível lição de humildade e liderança, serviu o tradicional chá das cinco a um legítimo súdito da Rainha Inglesa dizendo que o chá havia sido uma das grandes heranças dos ingleses. Determinou que a seleção treinasse em várias cidades e em campos de todos os tamanhos por toda a àfrica do Sul, colocando os brancos, antes isolados, em contato com a pobreza de seu país. Ao mesmo tempo, colocou os negros muito próximos ao símbolo mais emblemático de seus antigos exploradores. Uma desafiadora experiência para ambos os lados, capaz de expor as feridas de forma arriscada. Em sua visão, porém, o único modo de, pacificamente, harmonizar as duas raças que digeriam o final do Apartheid e ainda se odiavam.

Em seu primeiro ato como Presidente, Mandela chamou a todos os funcionários brancos do Governo para lhes dizer que eles tinham a liberdade de deixar suas atribuições caso não quisessem trabalhar para um chefe negro, mas disse que precisava de seu trabalho para a construção de uma nação, pedindo àqueles que ficassem que simplesmente fizessem o que melhor sabiam com muita dedicação, prometendo, de sua parte,fazer o mesmo. A adesão foi unânime e todos ficaram imbuídos de sua missão, servindo, com devoção, à tarefa de construir uma nação unida. Colocou em prática, desta forma, seu discurso de perdão e generosidade em prol de uma grande nação, ganhando, desde o primeiro momento de seu Governo, credibilidade para cobrar de seu povo a mesma atitude.

Somente um homem que permaneceu 27 anos preso sonhando com a liberdade e uma nação unida poderia ser capaz de identificar no esporte de seus "inimigos" a única chance de unificar um país cujas cicatrizes do Apartheid ainda se manifestavam profundamente na sociedade. Somente um homem que, em sua esfera familiar enfrentou a incompreensão por sua obsessão pela paz, poderia ter manejado com tanta grandeza o rancor dos dois lados. Mandela experimentou em seu âmbito familiar as conseqüências deste verdadeiro câncer social e o filme mostra de forma particularmente sensível a dor de um homem dividido entre sua missão de líder e as carências de um mortal enfrentando grande pressão psicológica.

Exatamente quinze anos depois da grande final de Rugby, a África do Sul sedia, este ano,a Copa do Mundo de futebol. Ao contrário da Copa de Rugby, onde certamente teria torcido pela a seleção sulafricana, nesta Copa não desejo a vitória do país sede. Mas, sinceramente, desejo que eles cheguem pelo menos entre os quatro melhores para que o apartheid permaneça definitivamente como um sombrio capítulo de nossa história.