Thursday, November 04, 2010

MARKETING POLÍTICO, CARISMA E INCOMPETÊNCIA NAS ELEIÇÕES

As correntes na internet contra Lula e Dilma que rolaram Brasil afora durante estas eleições chamaram-me muito a atenção. Acho que foi uma manifestação ignorante, generalista, preconceituosa e ESTERIOTIPADA da realidade baseando-se no antigo chavão do medo contra o comunismo. Uma verdadeira pena, um desperdício de recurso de quem justamente pode ser considerada a camada "informada" da população. Em que pese que quem escreveu as baboseiras não deve ser tão informado assim. A internet é poderosíssima e poderia ter sido eficaz, caso o conteúdo das "correntes" não fosse tão pífio e inócuo. Além do ultrapassado medo contra os comunistas de plantão, ressuscitou um antigo preconceito contra os nordestinos, chamando-os de vagabundos, esquecendo-se da difícil realidade da qual saiu o atual presidente. O conteúdo não poderia ter sido mais revelador da herança da casa grande em nossa sociedade.

A mídia, por sua vez, também deu mostra de sua falta de profissionalismo ao não se declarar aberta e democraticamente. Ora, todo veículo de comunicação tem um espaço para se posicionar e dele deve usar para expressar sua opinião de forma pública e explícita. Não há qualquer problema em um veículo de comunicação utilizar seu espaço editorial para defender idéias de forma incisiva, mesmo que a favor de um candidato. O problema está na defesa enfática de idéias utilizando-se de capas dominicais e manchetes diárias. Neste caso há um desvio ético da prática da profissão jornalística, cuja função pilar e primordial é informar de forma imparcial. Perdi o respeito pela VEJA a partir de tantas capas tendenciosas. Da mesma forma, causou-me náusea e repúdio uma capa da ISTOÉ, idêntica a da VEJA da semana anterior, estampando Serra ao invés de Dilma em uma ridícula cópia. Nada contra o posicionamento político de cada uma das duas principais semanais do país, desde que seu posicionamento tivesse sido expresso nas páginas reservadas aos editores. A Carta Capital, por sua vez, há tempos se vem se mostrando pró-Lula, não apenas em seus editorias (o que eu respeito), mas também em suas manchetes. O problema é que o motivo para ela ser pró-Lula é escuso e está relacionado ao esquema Daniel Dantas. Por isso também não conta com meu respeito. O ESTADO teve meu respeito por ter se posicionado em seu editorial claramente, mostrando coerência e certa imparcialidade em sua cobertura. De uma forma geral a imprensa é tendenciosa e isto é uma pena. Nas últimas eleições presidenciais americanas vimos o mesmo fenômeno com a clara promoção do então candidato Barack Obama em revistas como a TIME, por exemplo. Na campanha brasileira causou-me indignação reportagens (sobretudo na VEJA) publicadas quase que como pubieditoriais da oposição. É claro que os escândalos aconteceram e deveriam ter sido noticiados, mas a forma como foram reportados em nada me agradou. Os cadernos de política fizeram uma cobertura altamente pró-oposição e não se pronunciaram abertamente, o que muito me incomodou. Prefiro uma cobertura com posicionamento claro, de forma honesta com o leitor, de forma a que cada um possa escolher o veículo que melhor expressa sua opinião. O que combato é a prática tendenciosa camuflada por uma velada imparcialidade que se vê apenas na esquecida ética jornalística. A mesma que prega verdade nos fatos. Não seria melhor informar a verdade (e só a verdade!) em uma cobertura imparcial, mas tendo se posicionado claramente no espaço devido? Não seria esta a prática do jornalismo ideal?

Lutando contra a tropa de elite da imprensa, a campanha do PT revelou nada mais do que a maturidade de seu marketing político e o imenso carisma de Luis Inácio da Silva. Apostando em uma novata sem a milhagem política de José Serra e ainda saindo em desvantagem nas pesquisas políticas, Lula foi capaz de içar uma burocrata de carreira à condição de Presidente da República. Subindo em palanques ao seu lado e carregando-a país afora por mais de uma ano, Lula foi capaz de transferir seu carisma para a novata que soube, muito bem ,apropriar-se dele. Durante toda a campanha Dilma repetiu o bordão "em nosso Governo" e aceitou o título de "mãe do PAC", um programa eleitoreiro que mal saiu do papel. O que saiu do papel, porém, foi a projeção nacional de Dilma, provando que a essência do PAC era promover o aceleramento do crescimento de Dilma nas pesquisas eleitorais.

Dilma não foi capaz de fazer realizações em "seu Governo" e o comando do marketing político do PT foi brilhante ao, na campanha televisiva, não focar em obras (as que seriam do PAC). Deixando o PAC para o palanque, a estratégia utilizada na televisão foi priorizar a autoestima do brasileiro. Para tanto, em uma linguagem bastante popular, utilizou a realização das Olimpíadas e da Copa do Mundo como chancela de um novo país "construído" por Lula. Os dois eventos tornaram-se, então, os avalistas da capacidade de realização do Governo Lula que, mais uma vez, colocou seu carisma não a serviço de seu país, mas sim de interesses pessoais. Lula usou muito bem sua projeção internacional e articulou a vinda destes eventos para o país porque sabia que seriam fundamentais em sua campanha para eleger Dilma. Tudo foi antecipadamente premeditado em um invejável planejamento estratégico de marketing.

Usando programas de Governo com nomes bem marqueteados, a questão da continuidade foi outro sustentáculo da campanha. Se Dilma não fosse eleita, o bolsa família e outros programas bem batizados, mas nada eficazes, iriam acabar. Repetindo insistentemente que estes programas não poderiam acabar, Dilma construiu no imaginário popular a idéia de que, se o governo messiânico de Lula não fosse continuado, o povo seria abandonado e voltaria para a miséria. E assim, Lula, que já disse ter vencido o medo com a esperança, usou, no mesmo tom ameaçador que já se dissera vítima, o medo para conquistar votos para sua sucessora. Em um requinte de manipulação da opinião pública, a Petrobrás, desde sempre nosso símbolo de riqueza econômica, foi utilizada como símbolo da ameaça representada por Serra. Caso eleito, ele privatizaria nossa maior empresa estatal, acabando com o emprego de milhões de brasileiros e barrando o crescimento econômico do Brasil.

Aliado ao viéz ameaçador e, abusando do apelo emocional, durante todo o segundo turno, Dilma se disse vítima de calúnias e difamações mudando teatralmente seu tom de voz quando falava sobre os escândalos da gestão petista. Convenientemente, Lula entrou em campo como fiel escudeiro de sua pupila. O Presidente praticamente largou suas atribuições e, sem qualquer escrúpulo, assumiu, definitivamente, o papel de cabo eleitoral. Os marqueteiros, por sua vez, aumentaram exponencialmente a exposição de Lula na televisão, tornando a candidata praticamente uma coadjuvante do segundo turno das eleições. Assim, Dilma blindou-se dos escândalos que no início do segundo turno lhe custaram alguns pontos percentuais. Não teve a dignidade e sequer sentiu-se na obrigação de dar satisfações aos eleitores, transferindo a responsabilidade para as instituições investigatórias. Da mesma forma, não deu explicações sobre a quebra de sigilo da Receita Federal de pessoas ligadas à campanha tucana. Aliás o PT é mestre nesta matéria e Palocci, um dos líderes da transição de governos, ainda tem muito o que explicar a este respeito. Mas, como o fato aconteceu sob as barbas de Lula, Palocci apenas perdeu seu cargo certamente com a promessa de reavê-lo anos mais tarde (o que deve acontecer em breve).

Ao contrário do PT, afinado e bem regido por um maestro da política, o PSDB não soube se unir em torno da candidatura de Serra. Rachado em sua própria liderança, o partido, em momento algum, demonstrou união e consistência, transparecendo disputa e instabilidade entre Serra e o comando da campanha. Desde o anúncio oficial da candidatura, que parece ter saído à fórceps, até a definição de quem seria o vice-presidente da chapa, Serra deixou transparecer uma velada "queda-de-braço" com o comando de sua campanha, tentando se sobrepor ao partido e não cedendo às pressões de suas bases. Autoritário e centralizador, Serra monopolizou a atenção da mídia e da população, na questão da sua saída do Governo do Estado de São Paulo, retardando o anúncio oficial de sua candidatura. Já no início, o primeiro passo errado da campanha tucana que, ao formalizar a candidatura somente em março, confundiu a população e deixou margem para que time da militância oposta consolidasse sua força em territórios onde já era forte.

Sem o anúncio oficial da candidatura de Serra, o PSDB deixou o campo aberto para o adversário, principalmente na região do Nordeste. Caso a oficialização tivesse ocorrido no final do ano passado e o partido tivesse entrado o ano com a campanha a todo vapor, provavelmente o cenário naquela região teria sido diferente. Era preciso ter fincado a bandeira tucana nos estados nordestinos e espalhado a imagem de Serrra por todos os cantos. Ao contrário, quase nada foi feito e a base se desfez. Prova disso é a não reeleição de Tasso Jereissati ao Senado pelo Ceará. O Nordeste, aliás, foi palco de um grande erro estratégico. Ao invés de focar esforços massivos naquela região, o PSDB resolveu apoiar-se em Aécio no Estado de Minas Gerais. Aécio, por si, seria capaz de conseguir votos para Serra, uma vez que, de virada, fez seu sucessor no Estado. Ao centralizar em Minas, talvez para não dar espaço a seu maior adversário interno no partido, Serra deixou Dilma deitar e rolar na região em que Lula goza de maior prestígio.

A questão da disputa de egos e poder entre Serra e Aécio custou caro aos tucanos. Tivesse Serra aceito alguma alternância de poder dentro do partido com Aécio em troca da participação dele como vice na chapa, provavelmente o desenrolar da campanha teria tido outro resultado. Tivesse Aécio, da mesma forma, aparado sua vaidade ao aceitar ser vice no momento crucial do lançamento tardio da campanha, que já começava claudicante, quiçá teríamos outra história para contar. Mas Serra não abriu mão de seu autoritarismo. Aécio não trocou o certo pelo incerto.

Mas, apesar das disputas internas, Serra, alavancado pela expressiva votação de Marina Silva, combalido, porém confiante, chegou ao segundo turno. Era a grande chance de uma virada histórica. Novamente, porém, o PSDB cometeu alguns pecados capitais.

Dilma estava ameaçada pelo escândalo de sua sucessora na Casa Civil e ainda procurava assimilar o golpe de não ter se elegido no primeiro turno. Era hora de atacar. Mas, ao invés de adentrar o segundo turno com agressividade, Serra preferiu "manter o alto nível" da campanha, mergulhando de vez na aristocrática empáfia tucana. Não era hora de falar com a classe média, com a região sudeste e com aqueles que já haviam decidido seu voto. Era a hora de falar com o povão, a imensa massa que tinha medo de perder o bolsa família e "voltar" para a miséria. Era hora montar base e fazer vigília no nordeste, garantir para aquele povo que ele faria obras no Nordeste e que não era o governador de um Estado rico. Era um homem do povo, que estava ao lado dos miseráveis nordestinos e que iria priorizar aquela região do país, que ia fazer muitas obras por e para eles e que iria dar muita atenção àquele povo carente. Era hora de encostar Dilma e o PT na parede e pedir explicações sobre o PAC, que nunca saiu do papel. Cobrar uma postura ética e condizente com relação ao tráfico de influência nas mãos de Erenice. Pedir satisfações a respeito dos contratos ilícitos dos Correios. Relembrar o Valerioduto que faz o Collor e o PC Farias virarem trombadinhas perto do esquema que foi montado. Cobrar um posicionamento claro sobre a liberdade de imprensa e a censura sobre o Estadão e veículos nos Estados de Tocantins e Ceará. Cobrar as melhorias na educação, na saúde e na infraestrutura. Mostrar o escandaloso superfaturamento das obras para os Jogos Panamericanos do Rio e perguntar quanto iria ser desviado nas obras da Copa e das Olimpíadas.

Mas não, Serra não enfrentou e confrontou Dilma em nenhum debate. Não falou a linguagem do povo em nenhum comercial de TV ou spot de rádio. Não se mostrou próximo ao povo em nenhum momento. Manteve-se frio, pouco emotivo, nada carismático e absolutamente acadêmico. Nenhuma vez falou para o povo, e sempre para a classe média que o apoiava. Esqueceu-se completamente que seu verdadeiro adversário era Lula e não Dilma e nada fez para tirar o terno e a gravata que Lula raramente usa em suas aparições públicas. Ou seja, manteve a tradição aristocrática e acadêmica do PSDB, parecendo dar de ombros e desprezar o discurso apelativo de Dilma que se fazia de vítima. Era justamente a hora de bater de frente e, ao invés de se esquivar, chamar para a briga e dizer que tinha mesmo acusado e que não tinha medo de processos. Era a hora de provar pros nordestinos que era um "cabra macho" e que punha pra quebrar. Era a hora de se tornar um legítimo galo de briga do sertão. Mas não, Serra recou. Fechado, isolado e acovardado, deixou passar uma excelente oportunidade. Uma oportunidade que, diga-se de passagem, se estivesse nas mãos de Aécio, talvez não fosse perdida.

Ao contrário do que deveria ter feito, Serra não desceu de seus tamancos aristocráticos e jogou o segundo turno de salto alto. Agora deve entrar para a história como o homem que tentou, e não conseguiu, por duas vezes, vencer aquele que provavelmente ficará conhecido como o político mais carismático que este país já viu.

1 comment:

Edison Waetge Jr said...

Muito boa análise, Fê.

Realmente as campanhas desiguais. A de Dilma foi muito mais eficaz. Serra, quando mostrava os dentes, o fazia pela causa errada, com os argumentos errados. E ainda reforçou o mote do atual governo de que tudo de bom que existe nesse país foi feito nos últimos oito anos, ao ajudar a esconder o passado. É a história sendo reescrita sem que o principal atingido se manifeste.

O que chama a atenção, mais exacerbadamente nesta eleição do que nas anteriores, é o clima de guerra que existe nas campanhas. Ambos os lados tratam os adversários como inimigos a serem esmagados. O pior é que não vejo qualquer perspectiva de que isso seja diferente em futuro próximo.