Sunday, December 23, 2007

A HISTÓRIA DO SABIÁ

Para minha filha Beatriz

"Sabiá lá na gaiola fez um buraquinho,
Voou, Voou, Voou
E a menina que gostava tanto do bichinho,
Chorou, chorou, chorou"

Era uma vez uma sabiá de peito amarelo que cantava nas árvores. Era livre e vivia de árvore em árvore a buscar o melhor lugar para ver o mundo. Lá do alto via tudo e todos com seus olhos que mais eram de águia. Via a vida passar e as pessoas correrem e nunca se preocupava com nada. A vida pasava e sua única preocupação era ser livre. Não havia moeda, tempo ou árvore que o prendesse. Ele voava alto e lá de cima via os outros e suas vidas. Não se preocupava com nada a não ser em voar.

Passou anos voando a procurar sua felicidade e a viver em função dela. Passou por cidades, países, geografias distantes que o levaram a pensar em si mesmo e na sua própria ausência de limites para falar e cantar. Para ele a verdade era sua e todos os outros sabiás não sabiam o que faziam e por isso não conseguiriam o topo das árvores.

Até que um dia, depois de ter atingido vários topos de árvores, o sabiá percebeu que não havia mais como entender o mundo sem olhar para seu próprio peito amarelo. Resolveu parar e ficar muito atento. Resolveu fazer um outro tipo de vôo e conhecer seu próprio peito amarelo.

Foi voando, voando, voando, cada vez mais para dentro do seu peito amarelo e foi descobrindo coisas novas que não faziam parte daquilo que ele achava conhecer. Foi devagar lutando contra os outros sabiás que o chamavam de volta a voar, mas ele ficava parado voando pra dentro de si. Foi olhando para seu próprio peito amarelo e vendo diferentes tons neste amarelo. Viu também diferentes texturas para seu pelo, sentiu as asas menores do as tinha. Foi ficando triste e perdendo sua auto-estima, vendo aquele pássaro altivo de outros dias transformar-se em um pequeno e simples sabiá. Foi deixando que as pessoas lhe dissessem o que quisessem, o tratassem da forma que quisessem, foi vendo que os outros achavam que podiam fazer com ele o que quisessem. E se deixou prender em uma gaiola.

Nesta gaiola ficou por muitos anos e muitos dias, triste, pensativo, deixando-se muitas vezes até ser humilhado. Nesta gaiola foi ficando, esperando resignadamente que o tempo troxesse as respotas. Pensava no sabiá que um dia fora e em tudo que já tinha feito e não entendia porque estava ali naquela gaiola preso. Não conseguia fazer com que a gaiola ao menos fosse confortável. Ao contrário, a cada dia ela parecia diminuir. Sufocava e oprimia o sabiá que ali ficava sem ar. Era o preço da falta de luta e do conformismo. Só que ele não conseguia naquele momento lutar e toda sua preocupação estava em sobreviver sem ar.

Tentando respirar e manter-se vivo naqueles tempos de confinamento e sofrimento, lembrou-se de todos os vôos em que olhava para os outros de cima e se achava melhor e mais poderoso do que eles. Lembrou-se dos dias em que achava que seu peito amarelo era o mais bonito de todos e que, nem sempre, os outros sabiás gostavam disso. Lembrou-se também de que os outros sabiás, que voavam mais baixo que ele, estavam agora voando mais alto. E que ele estava preso.

Mas no fundo ele acreditava que fosse conseguir sair daquela gaiola e, um dia, começou a fazer um buraquinho. Devagarzinho, ainda sem forças, usando toda a energia que ainda não tinha começou a fazer seu buraquinho. Começou a acreditar que era possível novamente ser livre e feliz e mais uma vez poder voar alto. Mais uma vez sonhar com o topo das árvores. Viu que a gaiola estava dentro dele (uma vez que ninguém podia colocar aquele sabiá na gaiola) e viu que o ar que lhe faltava era o mesmo que sempre havia respirado.

A cada dia por vários anos foi fazendo seu buraquinho. Até que um dia, com novos olhos, ele voou.

Saturday, December 22, 2007

HORAS NON NUMERO NISI SERENAS

“HORAS NON NUMERO NISI SERENAS”

Só marcarei as horas serenas

Meu avô Zuza, cada dia mais presente em minha vida e minha memória, tinha uma placa de madeira gravada com as palavras: HORAS NON NUMERO NISI SERENAS.

Esta linda placa ficava pendurada na sala da casa da sede da Fazenda Mirasselva e sempre me chamou a atenção. Não me lembro quem me traduziu o significado, mas acho que foi a Tia Marília. Nunca entendi plenamente o significado disto e a profundidade destas palavras. Se eu não me engano, conta meu tio Waldomiro que o vô Zuza gostava de lembrar das horas serenas depois das seis horas e que as horas serenas eram as do por do sol.

Hoje vejo o que meu avô falava ao pensar NAS HORAS SERENAS. Seguirei a buscá-las por todos os dias ainda que seja mais complicado do que pareça.

Wednesday, December 19, 2007

MEU OUTRO ESCORT FOI EMBORA

Meu velho Escort SW 1998 foi embora. E com ele uma fase da minha vida. Acordei mal com isso, na verdade triste. Muito triste. Estranho este apego pelas coisas que marcam o tempo. São símbolos, ícones que materializam nossas lutas, anseios, tristezas e alegrias.

Hoje vendi um Escort comprado em dezembro de 2003 com o qual rodei 80.000 kilômetros em exatos 4 anos. A maioria deles em viagens para o interior. Para a terra sagrada onde renovo minhas energias. Para o lugar onde atualmente mais relaxo e recarrego minhas baterias (mas tenho muita saudade do mar, o mar, sempre o mar!). Comprei este carro pensando em viagens de família e com ele várias vezes viajamos para a Fazenda. Com a Biazinha sentada na cadeirinha como sempre sonhei. Lutei muito para conseguir realizar este sonho e este carro de certa forma simboliza esta conquista. Comprei-o após vender meu outro carro para pagar um tratamento de Fertilização in Vitro. Sonhei com uma criança em seu banco traseiro por dois anos até que ela realmente chegou e tomou seu lugar especialmente reservado.

Tudo isto se passou em minha cabeça quando hoje acordei e tive de entregá-lo para a Rosana. Acordei de mal-humor, bravo e, para ajudar, chovia e o trânsito estava horrível. Levei o Escort para a Rô e na troca, debaixo de chuva, tive um acesso de raiva. Todo molhado e segurando documento, chave, celular, mapas e papéis em apenas duas mãos, joguei tudo no banco de trás com um ódio só e bati a porta.

Naquele momento fechei uma parte da história.

"ROBINHO"

Em 1993 quando voltei de uma viagem de 5 meses e meio da Europa, ganhei de meu pai um ESCORT HOBBY, que eu apelidei de “Robinho”. Com ele viajei muito, mas muito mesmo, principalmente para o Rio de Janeiro. Naqueles anos um grande irmão meu morava no Rio de Janeiro e fui várias e várias vezes passar finais de semana no Rio. Cheguei a ter uma média de a cada quinze dias ir parar no Rio. Sozinho. Não eram tempos de tanto risco na estrada, tanto perigo na chegada ao Rio. Saia direto do trabalho e “punha o pé na estrada”. Em cinco horas estava eu lá, chegando ao meu bairro do Botafogo, passando propositadamente por aquela linda orla de Copacabana. As luzes amarelas iluminando o mar e o bafo da noite no Rio davam-me as boas vindas. Foram finais e mais finais de semana chegando ao Rio e indo direto para a balada no Leblon ou no Arpoador. No sábado era a praia depois do meio-dia com queijo coalho e almoço às cinco. “Soneca” até as nove e depois novamente balada. Domingo era sempre melhor lá do que aqui, quando ficava sozinho sem saber o que fazer de mim mesmo. Domingo em Sampa tende a ser meio depressivo (ao menos para mim). No Rio, não, a vida acorda diferente e, em Botafogo, com o Cristo Redentor abençoando seu café-da-manhã. Só na cidade de todos os brasileiros, como diz João Gilberto, isso é possível.

Com o Robinho rodei 75.000 kilômetos em 3 anos e muitos deles para o Rio de Janeiro em, uma excelente fase de minha vida. Fui também à Búzios e Paraty. Sempre dentro dele, e quase sempre sozinho. Comele bati meu recorde de “travessia” Rio – São Paulo fazendo este percurso de porta a porta em quatro horas cravadas num domingo à noite.

Loucuras juvenis DE OUTROS TEMPOS.

QUALQUER TÍTULO NÃO CONSEGUE ALCANÇAR NOSSA AMIZADE

Almocei com amigos hoje. Almoço muito agradável e gostoso com bom vinho (2 garrafas para nós três) e muita risada. Trocamos experiências como três velhos amigos de faculdade, porém com mais, digamos, experiência. É bom não me lembrar que no ano que vem vai fazer 20 anos que nos conhecemos no primeiro ano da Faculdade.

Pensamos muito nos caminhos de cada um de lá para cá e no que temos feito de nossas vidas. Caminhos diferentes, mas bastante convergentes. Vimos que estamos amadurecendo e escolhendo melhor com quem passar nossos minutos fora do trabalho. Chegamos à conclusão que temos escolhido ficar com quem vale à pena e com quem tem algo a nos dizer.

No fundo para mim foi isso. Um almoço de troca de grandes confidências, grandes impressões e grandes leis da vida. Na verdade há leis imutáveis entre os homens (e também entre as mulheres). Mas hoje falamos sobre as leis imutáveis dos homens. E descobrimos particularidades interessantes que nos afunilam e nos separaram. E que, por maior que sejam as diferenças entre caminhos e decisões, continuamos próximos. Mais próximos do que antes. Ou com melhor qualidade de opiniões.

Passamos horas gostosas e, novamente, renovamos um pacto, onde sabemos que valemos à pena uns para os outros e que continuamos amigos (depois de quase vinte anos).

Grande abraço a vocês.

Tuesday, December 18, 2007

QUEM SOU EU

A volta ao BLOG começou com este texto. Continuo me perguntando todo dia.

Sou quase bipolar. Na verdade multipolar, sem definição de pólo, lugar ou ponto cardeal. Sou norte, sul, leste e oeste. Estou aqui e lá, nos dois lugares ao mesmo tempo e também em lugar nenhum. Tenho ouvidos para tudo, olhos para todos e sei o que acontece em qualquer canto; do jardim ou do mundo. Não tenho tribo, gueto ou clã. Identifico-me com tudo e todos, não consigo me rotular. Não pertenço a ninguém, sou o universo e a molécula, o trânsito em pessoa. Não sei onde estou, estou em todos os lugares ao mesmo tempo. Não tenho “loco” ou foco. Apenas estou. Quem sou?Alguém pode me responder?

Sou oito ou oitenta e todo o caminho entre um e outro. Sou fraco e forte, santo e perverso, fiel e infiel, carinhoso e seco, manso e bravo, dedicado e preguiçoso, trabalhador e vagabundo, inteligente e burro, interessado e desinteressado, estudioso e negligente, emotivo e racional, poeta e “pé-no-chão”, o feijão e o sonho. Sou eu e não sou eu. Imagem do espelho que não reconheço, reflexo da minha vida que não é minha, de atitudes que não são minhas, de palavras que não são minhas, de pensamentos que não são meus. Mas que nasceram de mim. Quem sou eu?

Feliz e infeliz, satisfeito e insatisfeito, homem e mulher, menino e menina, criança e adulto. Sou tudo e nada ao mesmo tempo. O finito e o infinito. O começo e o fim. Sou triste e alegre. Claro e escuro. Brega e chique. Clássico e contemporâneo. Esquerda e direita. Reto e torto.Chato e legal. Prolixo e sucinto. Crente e descrente.

Da vida e na vida. Sou Maria - Maria que tem a “estranha mania de ter fé na vida”. E nas cores, formas, desenhos, cheiros, mãos, pés, cabelos e bocas. Mais ainda, nas pessoas que
vão e não voltam, se juntam mas não se juntam, falam mas não dizem nada, andam e não chegam a lugar nenhum, giram em torno de si próprias e não se encontram, buscam por si mesmas mas não têm ponto de partida ou de chegada. Apenas vagam. Sem destino ou estação final, valores ou pudores, compromissos ou prazos. São apenas: números. Que “traduzem” quem somos, “dizem” quem somos, e fazem da nossa vida um imenso extrato bancário. Sem graça. Sem poesia, sem contato, sem encontro, somente desencontros do vai-e-vem dos carros, avenidas, filas e mais filas. Espera contínua da cidade sem fim. Do beco sem saída, do eu sem avenida.

Ao mesmo tempo sou terra, sou família, sou raiz. Origem. Orígenes. Sou tradição e continuidade, sonho de seguir na avenida do tempo que ficou para trás e insisto em recuperar. Sou história de vida. Sou filho, neto, bisneto, tataraneto. Sou brasileiro genuíno. Não tenho ascendência direta de ninguém. Sou amarelo do índio, preto do africano e branco do europeu. . Mistura de raças e culturas. Creio na força da lenda e do folclore. Não existo sem referência. Não caminho sem estrada.

Sou teimoso, persistente, batalhador e sonhador. Abri minhas picadas pelos caminhos menos percorridos, mas céus, não existo sem alguém ou alguma coisa para me dizer quem sou. Mas quem sou eu? Quem me diz o que é certo ou errado? Quem pode dizer a mim mesmo o que é isto ou aquilo, quem pode me dizer o que fazer? Caminho procurando esta resposta, experimentando estas respostas, testando os limites, valores e a própria tradição que existe dentro de mim. Experimento a vida desde pequeno pensando no que é bom e no que não é bom, no que posso e não posso, no que devo e não devo, no que é certo e no que não é certo, no que é ético e não é ético.

Caminho sob pressão. Caminho sob tensão. Estendendo valores e buscando respostas próprias. Mas nem sempre as encontro. Tem sempre alguma referência, alguma régua, alguma escala, algum termômetro. Que foram colocados a mim pela família, Igreja, sociedade, escola ou empresa. Sou um HD formatado que tenta se desformatar e busca sua liberdade. Sou um inconformado cansado de apanhar por dizer o que acha e de pagar o preço da integridade. Sou um Don Quixote fora de época ou de lugar, no túnel do tempo que se perdeu. Sou o eu fora de padrões dentro do eu totalmente padronizado. Sou a dialética do desencontro e do encontro. Sou a diferença das somas, das massas e da geléia geral. Sou sozinho, sou eu mesmo à procura de mim mesmo.

Sou o rei coroado sem coroa, o dono de fazenda sem terras, o nobre sem o título de nobreza, o dono da casa grande que mora na senzala, o escritor sem livros, o músico sem instrumento, o rico sem dinheiro.

Quem sou eu?

Aquele que busca o palco para a vida se apresentar.

Fernando Lessa, 37 ANOS.

GENTE

Para quem for gente e conseguir me entender
GENTE

A. Valsiglio / Cheope / M. Maratti


“Perché non c’é um limite per nessuno

Che dentro sè abbia um amore sincero solo un respiro

Non siamo ângeli in volo venuti dal cielo

Ma gente comune che ama davvero

Gente che vuole um mondo piú vero

La gente che insieme lo cambierà”

Tenho andado em meu velho Escort que acabo de vender escutando um Cd do Renato Russo que é uma obra-prima: Equilíbrio Distante. Um verdadeiro convite à uma viagem para dentro da alma. Um convite à mais pura sensibilidade. Um CD inteiro gravado em italiano com músicas belíssimas e arranjos fantásticos.

Os versos acima são da primeira faixa, uma música chamada GENTE. Linda, poética e instigante. Fala de gente que ama sinceramente, verdadeiramente e que deseja um mundo melhor. Nos últimos dias tem sido esta minha trilha ao vir para o trabalho e, quando posso (como agora), no próprio trabalho. Tenho pensado em valores, amores e em mim. Tenho pensado em gente verdadeira e que se entrega verdadeiramente, seja ao trabalho, à vida, à família, aos amigos. Enfim, gente que tem a capacidade de amar. Gente que sabe amar. Quantas são estas pessoas ao seu redor hoje? Qual o percentual de pessoas que estão ao seu redor hoje e que sabem amar a vida?

Poucas, talvez muito poucas.

No meu caso nestes dias tenho pensado em minha vida profissional e meu final de ano. Andei rodeado, cercado por estas pessoas, o ano todo, mas não por culpa delas. Vejo agora que talvez minha exigência quanto ao que elas poderiam me dar foi grande. Ou não deveriam me dar? Não sei, mas não tem problema, não preciso chegar à nenhuma conclusão. Não preciso ter nenhuma verdade absoluta.

Porém, o que valeu para mim neste ano é que EU me superei em minha exigência comigo mesmo e minhas repostas para mim mesmo. Vivi dias de total tentação para cair no lugar comum e me deixar levar pela maré. Vivi dias em que todos poderiam esperar de mim o normal, o "de jà vui", o vazio. Mas fui forte e vivi de acordo com meus princípios e minhas convicções. Gerenciando pessoas com amor e por amor a elas, falando duro quando tinha de falar, nem sempre conseguindo, mas sempre buscando respeitar suas limitações. Olhando cada um em seus olhos e procurando traduzir suas perguntas antes mesmo que me perguntassem. Antecipando sentimentos e angústias, preocupando-me com suas vidas pessoais. Nem sempre fui compreendido (aliás, eles até se revoltaram contra mim), mas, na verdade, não importa, o que importa é que fiz o que eu achava que deveria ter sido feito e não remei na mesma direção dos outros. Fui fiel à meus princípios e sei que, pelo menos, não serei condenado por ter agido de má fé com alguém. Bem ou mal, saí do lugar comum e busquei fazer a diferença. Como aquela gente que deseja um mundo mais verdadeiro. Posso ter errado (e, com certeza errei), mas fui verdadeiro e íntegro.

Entreguei-me de corpo e alma ao desafio de gerenciar pessoas inteligentes. Procurei não limitar ou direcionar pensamentos, tolher iniciativas, restringir comportamentos. Procurei deixa-los livres. Mas não consegui integralmente, a tentação da autoridade muitas vezes falou mais alto e fui autoritário. À contragosto, mas na hora não pude controlar minha tentação de ser autoritário. Mas pelo menos tive um norte, um trilho, um caminho a perseguir. Tive uma boa intenção. E, mesmo sendo autoritário, estava sendo eu, pois combato com todas as forças o resquício de autoritarismo que insiste em permanecer dentro de mim. Mas sei que fui gente.

Gente, gente, onde encontrar gente?

Onde encontrar gente que queira um mundo mais verdadeiro?

Estrada para o interior

Para minha filha, essência da minha Vida

Acabei de sair de sair de uma reunião. Boa. Mas sempre com o xadrez das negociações comerciais. Muito bem jogado por sinal. Todos fingem que não sabem o que o outro quer e fingem estar acreditando no que o outro diz. Final de ano. Uma cortesia aqui, outra ali, panos quentes e, tudo bem, em janeiro nova rodada. Aprendi muito, como sempre tenho procurado, olhando para os olhos dos jogadores desta vida comercial. Preciso aprender a ser frio e calculista nestas situações. Preciso desaprender a dizer sempre a verdade. Será que conseguirei? Neste mundo a regra é esta e tenho de me convencer de que não estou fazendo nada errado. Business is business.

Neste contexto corporativo, ao final da reunião, o assunto foi o destino de cada um no Reveillon. Angra dos Reis, África do Sul, New York. Claro que era hora de mostrar que a colheita do ano fora boa e exibir os louros da vitória. Quando perguntado sobre meu destino, disse simplesmente: pro interior, para uma fazenda. Senti o nítido ar de decepção do meu interlocutor, um jovem empresário de apenas 24 anos querendo mostrar seu poder. Pela sua cara deve ter pensado: pobrezinho deste aí, vai para o INterior, não vai para o EXterior.

Pois é, meu caro, vou mesmo para o INTERIOR, para o MEU interior. Vou para a terra de onde sou origem, vou para a terra onde semeio e renovo minhas esperanças. Vou para a terra onde aprendi a ver a vida como um agricultor: aqui se planta , aqui se colhe. Vou para a terra que para mim é sagrada e de onde saíram e saem todos os valores que pautam minha existência. Vou para a terra onde a simplicidade me faz feliz.

Já voei muito, já viajei muito, já me distanciei demais. Agora busco a proximidade, a veracidade e a natureza. Busco o silêncio, a paz interior e o sossego do verde. Busco o fim de tarde bucólico e a melodia do silêncio. Busco as estrelas e seus mistérios, o s animais e seus barulhos e a música que está em mim. Bem no meio do meu INterior.

Para lá minha filha vai desde seus dois meses de vida e lá aprende o que são as coisas da terra, as coisas que só a terra pode ensinar. Lá minha filhota já viveu muito mais do que muita gente e está aprendendo a ver o mundo na horizontal e não não na vertical. Lá minha filhota aprende o que deve ser passado de geração em geração. Lá minha filhota de apenas 2 anos e sete meses percorre uma trilha que a história traçou.

Naquela terra, minha filhota se une a mim na estrada da vida.

Monday, December 17, 2007

PALAVRAS

Estou Vivo.

Há meses estava querendo reviver este meu prazer. Há dias lutava contra o fantasma de não conseguir me espelhar nas palavras. Mas encontrei um espelho, uma força motriz, um furacão que me moveu e me colocou frente a frente comigo mesmo. Foi difícil, mas hoje retomo o caminho de dois anos quando iniciei este BLOG e disse que aqui minha loucura seria depurada e teria seu espaço. Bem-vinda loucura minha, bem-vinda força insana que me emociona e me coloca em movimento.

Palavras, companheiras, vocês serão sempre a minha razão de existir e meu caminho de construção.

RE-construção.

Palavras, fortes companheiras de minha vida. Vocês jamais sairão de mim. Mesmo que eu não consiga manter um BLOG ou mesmo que eu me perca dentro de mim. Vocês são parte de mim.

Confidentes, intrigantes e integrantes de minha história e de minha existência.

Palavras, que eu possa usá-las para o bem e em nome do bem, para bem dizer os meus amores.

Palvaras, que eu possa usá-las para manter a memória de minha família e de mim mesmo, contar e escrever histórias para minha filha e para fazer uma bela oração.

Palavras, só vocês podem mudar minha vida.

BOLINHAS DE SABÃO

BOLINHAS DE SABÃO
Para meu avô Zuza, com muitas saudades

Toda vez que uma bolinha de sabão sobe ao ar
Vejo-te em minha frente.
Sinto-te próximo
E me recordo
Dos momentos gostosos que juntos vivemos.

Da infância que eu não tive,
Mas que você me deu.
Da alegria que eu não tive,
Mas que você me deu.

Toda vez que uma bolinha de sabão explode,
Sua imagem guardada em minha memória
Su funde com vazio deixado pela bolinha que se foi.

Toda vez que uma bolinha de sabão voa,
Liberto meus pensamentos e com ela vago sem destino.

Viro criança de novo,
Moleque travesso que nunca fui,
Experimento a liberdade que nunca tive.

Toda vez que uma bolinha de sabão se forma,
Meu sorriso de criança aparece,
Minha esperança cresce,
E a vida te reencontra.

Toda vez que uma bolinha de sabão faz minha filha feliz
Encontro o melhor de mim
Resgato a pureza da infância
E tudo o que você me ensinou.

Toda vez que uma bolinha de sabão me faz feliz
Sinto que o tempo passou,
Mas não nos distanciou.

Você ficou
E ainda me ensina a ser feliz.

Fernando Lessa
SP, 05/DEZ/07

PARA MINHA FILHA BEATRIZ

ESCOLAS DA VIDA

Deixei você na escola sorrindo e com um beijo. Foi o primeiro dia em que saí com a sensação de ter cumprido minha missão. Após dias e dias, meses e meses (foram mais de dois angustiantes meses), consegui ver em você a serenidade madura que temos que ter para enfrentar a vida. Consegui ver em seus olhos a confiança em você mesma e a independência de quem começava a entender a importância de seguir os próprios passos.

Durante dois meses deixei você chorando e saia eu chorando para o carro com o coração na mão e sem a menor vontade de trabalhar. Durante dias, semanas a fio, pensava mais em você do que no trabalho. Vagava no seu universo, orbitando ao seu redor como uma estrela que nunca te alcançaria. Queria me aproximar, buscava desesperado uma forma de me aproximar, mas sabia que para você o melhor era que eu não me aproximasse. Meu dever como pai era te deixar chorando muito embora meu coração ficasse dilacerado. Muito embora minhas manhãs ficassem resumidas em esperar a hora de você chegar em casa para que eu soubesse que você estava “segura”. Minha obrigação como pai era cortar uma ligação que tinha de ser cortada para que você se acostumasse desde agora a ter forças para suportar separações e frustrações.

Escrevo este texto racional, nada poético, com medo de mim mesmo e do espelho que você coloca neste momento à minha frente, mas posso te dizer, minha filha querida, que, mais uma vez, quem me ensinou foi você, quem me fez crescer foi você, quem tirou o melhor de mim foi você. Nos dias de dificuldade minha, de enfrentamentos e tristezas, pensava em você na escolinha e na sua batalha para ficar por lá e se acostumar com o universo totalmente novo. Ficava pensando em sua energia, em sua batalha, em sua busca, o que se passaria em sua “cabecinha” para você conseguir passar por esta experiência. Na verdade, minhas energias emanavam de você, meu amorzinho, meu pequeno amorzinho, que me fez crescer tanto em apenas dois meses. Nestes dois, quase três meses (agosto, setembro e parte de outubro) vivi uma busca muito grande pelo que seria a essência de minha vida profissional e fui muito pressionado para me superar. Tanto quanto você, minha “pituca”, fui obrigado e combater medos e frustrações, aceitar desafios e crescer na vida. E você esteve comigo mais uma vez me ensinando, me movendo adiante, me mandando para cima e para frente. Nossa separação nas manhãs foram muito importantes para que eu encontrasse forças dentro de mim olhando para você e pensando em você. Amando-te à distância e fazendo uma forte ligação entre nossas experiências.

Obrigado filhota minha, por mais uma vez ter me ajudado a me superar e a fazer de mim uma pessoa melhor.

Te amo.



Seu pai, Fernando Lessa
SP, 25 de outubro de 2007.