Wednesday, September 16, 2009

UM DIA COMO TODOS DEVERIAM SER

Para Fábio Martinelli

Acordar, não ter rotina ou sequer qualquer obrigação a não ser levar minha filha à escola. Abrir a janela e ver um sol que ameaçava sair mas ainda estava tímido. Um dia inteiro pela frente. O que fazer depois de sanada a única obrigação? Esperar? Sim, esperar; não me resta neste momento outra alternativa viável a não ser esperar. Mas como esperar? Esse sim é o desafio.

Uma mensagem guardada há dias em meu celular levou-me adiante. Coloquei minha bota de caminhadas, deixei meu carro na garagem, entrei no metrô em direção ao Largo São Bento. Saí da estação e dei de cara com São Paulo fervilhando. Entrei na Igreja de São Bento e conversei com minha vida tendo como cenário o maravilhoso interior daquela catedral. Atravessei o viaduto da Santa Efigênia em direção à região onde tudo se encontra em termos de áudio, vídeo e computação. MENOS O TAL DO MOUSE SERIAL de meu paleozóico computador Pentium IV - edição limitada 1999. Rodei e passei por todas as lojas até desistir de perguntar se eles tinham o mouse, passando a perguntar se eles sabiam onde eu poderia encontar um mouse serial. Muitas voltas depois, no fim do mundo da Santa Efigênia, quando quase já havia desistido, encontrei uma lojinha que mais parecia ferro de velho de computadores. Finalmente consegui um mouse igualzinho ao meu, totalmente recondicionado - mas quase com as impressões digitais de seu antigo dono - pela bagatela de dez reais. Comprei e ousei perguntar quanto pagariam por minha raridade cibernética: cinquenta reais. Quase troquei meu computador pelo mouse.

Voltei andando e não tomei o metrô de volta na estação São Bento. Passei reto em direção à Sé em busca de um sebo para visitar. No caminho achei a Livraria Imprensa Oficial e lá por uma hora parei para "zapear livros", um de meus maiores prazeres. Segui em direção ao Centro Cultural Banco do Brasil onde não pude entrar na exposição de arte russa porque (FELIZMENTE!) havia milhares de crianças do ensino público municipal em visita guiada e eu só poderia entrar à tarde. Mais adiante dediquei-me à tarefa de vagar pelas ruas do centro (sempre olhando mais para cima do que para o chão) à procura de um sebo. Lembrei-me de meu avô e com ele conversei longamente sobre as mudanças que ele observava na sua "cidade". Encontrei uma pequena placa em homenagem à Adoniram Barbosa no edifício que foi sede da Rádio Excelsior nos anos 40 e 50. Nela se dizia que às sextas-feiras Sâo Paulo habituava ouvir o programa de Adoniram que ia ao ar às oito horas da noite.

Totalmente absorto em meus pensamentos, na Rua Paulo Egídio, achei o sebo do Elias onde passei por tantas capas conhecidas de disco de vinil, livros fantásticos e DVDs que eu adoraria "rapar" e levar para casa. Um passeio entre estantes e prateleiras do tempo que me levaram à minha infância. Encontrei os discos de 45 rotações com historinhas para crianças que tanto ouvi em uma vitrolinha cinza da qual tenho agora a nítida fotografia. Procurei um livro de Calderón de la Barca e não o encontrei. Segui para outro sebo e logo depois para outro, mas assim mesmonão achei. Próximo da hora do almoço, tomei o metrô na Sé e voltei realizado para casa. Voltei com a sensação de estar mais vivo e pulsante do que nunca, MUITO mais vivo do que se estivesse atrás de uma mesa ou computador para trabalhar. O computador é bom para acessar o mundo e com ele se relacionar. É bom para escrever, não planilhar.

Meu querido amigo Fábio, confirmei hoje algo de que sempre desconfiei: trabalho é TROCA e o dinheiro, apenas e tão somente, o meio. Vida encontro eu escrevendo, lendo, vagando por meus incompreendidos pensamentos e, acima de tudo, bebendo da fonte das artes, que alimentam minha alma. Vida tenho eu fora da relação de troca mercantilista que há tantos anos apenas se repete sem que sua essência seja transformada. Vida tenho eu amando a vida e a novidade em que ela pode se transformar a cada dia - DESDE QUE ASSIM DESEJEMOS.

Um grande abraço. Graças a você tive hoje um dia como todos deveriam ser.

PS: mas já que a porra do dinheiro é necessária, que alguém me contrate logo cacete!!! (rsrsrsrsr).

1 comment:

monografia básica said...

Encontrar vida na leitura, na escrita, nas fontes da arte... Maravilha, Lessa. Pra mim é também assim... Você hoje está pleno de boas epifanias. Faz bem até a nós leitores.
(obrigada pelo recado no Lápis)
Um abraço.