Tuesday, September 30, 2008

ÊTA BRASIL

O Brasil é mesmo um país cuja mentalidade cartorária está enraigada em nossas instituições. Na semana passada, no Aeroporto Santos Dumont, tive uma nítida demonstração de como este espírito atrasa a nossa vida.
Após fazer o check-in no balcão da companhia aérea dirigi-me à área externa do aeroporto para tomar um ar e ver o movimento dos táxis ao invés de ficar vendo lojas. Abrindo a minha mochila de mão, passei pela porta rotatória e coloquei os pés na calçada. Imediatamente fui abordado por um simpático engraxate que, estendendo sua mão, perguntou:
- Isqueiro, comandante?
Apesar de não ter aberto minha mochila para pegar um maço de cigarros, sua atitude chamou-me a atenção. Como marquetiro estou sempre atento a qualquer atitude que seja vendedora de um serviço. O engraxate não me ofereceu diretamente seu serviço, mas estabeleu um contato com seu cliente e foi muito eficaz em sua abordagem. Diante de minha resposta negativa ele "liquidou a fatura":
- É, fumar faz mal, bom mesmo é engraxar os sapatos. Quer dar um lustro no sapato, comandante?
Tocado pela típica "malandragem carioca", aceitei a proposta e comecei a conversar com o rapaz. Fiquei impressionado com o fato de ele ter se sentado de cócoras para engraxar meus sapatos. Não havia infra-estrutura nenhuma para que ele e mais dois colegas trabalhassem. Simplesmente ficavam ali na calçada abordando os passageiros e oferecendo seus serviços. Perguntei porque eles não colocavam umas cadeiras para trabalhar. Quis também saber porque eles trabalhavam na calçada e não no saguão da nova ala do Aeroporto, tão espaçosa. Sua resposta deixou-me ao mesmo tempo assombrado e revoltado.
- Sabe o que é, comandante? A INFRAERO quer cobrar um aluguel de oito mil reais por mês para colocarmos três cadeiras ali no saguão. A gente "tentamos" negociar com os "home" mas eles são duro na queda. Não abaixam um tostão. Se fosse até uns mil e quinhentos, a gente aguentava.
Façam as contas comigo. Um sapato é engraxado por cinco reais. Para pagar o aluguel pedido pela INFRAERO os três engraxates precisariam engraxar 1600 pares de sapato em um mês. O que significa que cada um deles deveria engraxar aproximadamente 533 pares por mês. Trabalhando 30 dias por mês, cada um deveria conseguir 17 serviços por dia, mais de um par por hora. Se trabalhassem 26 dias por mês, com descanso somente aos domingos, este número subiria para 21 pares por dia, o que significa quase dois pares de sapato por hora, trabalhando doze horas por dia. E o lucro, de onde viria?
Os números são descabidos e mostram o arbitrarismo sobre a administração do patrimônio público que há séculos nos atrasa o desenvolvimento. Não houvesse esta taxa de aluguel absurda e a INFRAERO aceitasse a contra-proposta dos engraxates, os rapazes poderiam trabalhar de forma digna e honesta, ganhando seu dinheiro e sustentando suas famílias.
Ao invés de estimular a livre iniciativa, a INFRAERO impõe uma barreira ao trabalho honesto utilizando abusivamente o poder e o controle sobre o espaço público. Mesmo tantos séculos depois da colonização, a cultura das Capitanias Hereditárias continua presente em nossa administração pública, impedindo nosso desenvolvimento social.
ÊTA BRASIL...

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