Monday, November 03, 2008

Obá, obá, obá

Existe uma outra São Paulo escondida atrás da burocracia do mundo dos négocios, do caos do trânsito e da violência que nos assusta. Uma São Paulo maravilhosa que, a poucos quarteirões de casa, nos permite viajar até New Orleans ou Tokio sem tomar um avião. Uma São Paulo que coloca o mundo na porta de casa e permite um giro pela terra sem que se saia de nosso bairro.
Sábado, caminhando pelo parque da Aclimação ouvi uma "passagem de som". Uma voz em inglês repetia: "mike check one", "mike check two". Curioso caminhei até a concha acústica de onde vinha o ruído. Deparei-me com um palco montado e um baterista fazendo a verificação do som dos microfones. O sotaque era sulista e o inglês não negava sua origem. Perguntei ao técnico de som do que se tratava e fiquei sabendo que ao meio dia um show aconteceria. Imediatamente passei à mão meu telefone e chamei minha mulher. Direto de New Orleans, Kurt Brunus Project & Cynthia Bland encerrando sua temporada de duas semanas em São Paulo.
Sol quase à pino, ainda meio tímido por causa da primavera. A aglomeração foi se formando à beira do lago (infelizmente poluído) e a expectativa aumentava. Toalhas estendidas no chão, alguns fazendo pique-nique, cervejas geladas no isopor dos ambulantes. Anúncio de que o show começaria em poucos minutos. Descontração total, pessoas de todas as origens lado a lado, espírito de praia. Música ao ar livre para quem sabe curtir a vida.
Os primeiros acordes deram o tom do que estava por vir: Soul e Rithm & Blues de primeiríssima qualidade. Pés descalços, bonés nas cabeças, saias curtas e pernas à vista. Balanço total na voz de uma genuína cantora do sul dos Estados Unidos. Crianças soltas e cachorros presos. Deitados no chão com as línguas de fora por causa do calor. Pessoas em cima das árvores brigando pelo melhor ponto de visão.
Misturando hip-hop, raggae e pitadas de zydeco (musica típica da cidade de origem da banda), o espetáculo foi estonteante e cheio de energia. Praticamente duas horas em que foi impossível ficar parado. Cada um a seu modo caía no som contagiante que só os negros sabem alastrar. Muita mistura de ritmos e instrumentos quase sem intervalos. Uma viagem musical partindo das origens do Jazz, passando pela bossa nova, anos 70 e 80 até aterrisar no hip hop, ritmo do qual não sou muito fã, mas que, nos arranjos de Kurt Brunus, ficaram fantásticos.
Kurt Brunus nasceu em Los Angeles e logo cedo tranferiu-se para New Orleans. Parte de uma família de músicos, Kurt iniciou, aos quatro anos de idade, seus estudos de piano. O ambiente dos bastidores de palcos e a convivência com músicos permitiu que ele aprimorasse seus conhecimentos musicais e sozinho aprendesse a tocar guitarra, trompete, corneta, clarineta, percussão, saxofone, baixo e violino. Extremamente simpático e envolvente, o músico tem também facilidade para idiomas. Durante o show interagiu com o público , convidando-nos, em português, a cantar e participar. O ponto alto ficou para a última interpretação da banda, encerrando o bis: um maravilhoso arranjo para "Mas que nada" de Jorge BenJor cantado pelo próprio Kurt em português. Música que fez a concha acústica ecoar e o parque vibrar cantando e sambando no refrão:
ô, ariá raiô
Obá, obá, obá...

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