Monday, March 02, 2009

"DITABRANDA" ?

Há duas semanas discute-se a polêmica causada pela folha de s.paulo ao criar o termo “ditabranda” em seu editorial publicado no dia 17 de fevereiro. O texto, intitulado “Limites a Chávez”, comparando as atuais manobras políticas de Chávez a ditaduras latino-americanas de décadas passadas, colocou textualmente que “as chamadas "ditabrandas" -caso do Brasil entre 1964 e 1985- partiam de uma ruptura institucional e depois preservavam ou instituíam formas controladas de disputa política e acesso à Justiça”.

Tal posição provocou a indignação de diversos leitores que enviaram cartas de protesto, algumas delas publicadas no dia seguinte. A nota da redação em relação a tais cartas foi desastrosa uma vez que o jornal justificou a utilização do termo alegando que, “na comparação com outros regimes instalados na região no período, a ditadura brasileira apresentou níveis baixos de violência política e institucional.”

Talvez haja estatísticas apontando que o número de mortes provocadas por nosso regime militar tenha sido menor se comparado a outros da mesma época. Porém, mesmo embasado por estatísticas, adjetivar o nosso regime militar de brando, pareceu-me falta de bom senso. Ainda que a folha de s.paulo tenha utilizado este recurso para defender a tese de que o Chávez esteja, ao contrário de outros regimes, submentendo o Legislativo e o Judiciário aos desígnios da Presidência além de, paulatinamente, minar por dentro as instituições e o controle democrático.

Mas será que existe alguma diferença entre a atual prática de Chávez e o que foi feito em nosso país? Teria mesmo a nossa dinastia militar “preservado ou instituído formas controladas de disputa política e acesso à Justiça”? Que formas controladas foram estas? O uso de Atos Institucionais? Não paro de pensar onde pode ser encontrada “brandura” em uma ditadura. Seja ela de direita ou esquerda. De todas as formas há rupturas institucionais do Estado de direito. Ambos são regimes totalitários e sempre, de um lado ou de outro, o direito à liberdade de pensamento e expressão passa a ser limitado e monitorado (geralmente pelo uso da violência). E, invariavelmente, em qualquer regime totalitário, o acesso a Justiça fica comprometido uma vez que, a partir de uma guinada ideológica, ela deixa, peremptoriamente, de ser imparcial, passando a defender os interesses de um Estado parcial.

Não concordo com a tese defendida no editorial da Folha em nenhum dos dois aspectos, seja sobre a perspectiva da questão da violência, seja sob a ótica da manutenção parcial dos mecanismos de defesa de disputa política e acesso à Justiça. Nossa “ditabranda” utilizou a mesma truculência policial dos outros regimes militares na cruel perseguição aos opositores do regime, sendo que um menor número de mortos jamais seria argumento para justificar uma “brandura” em nossa dinastia militar. Além do mais, onde está o acesso à Justiça com uma Seqüência de Atos Institucionais que tolheram os direitos civis? Seria a dissolução de um Congresso e a cassação de direitos políticos a criação de formas controladas de disputa política? Seriam os políticos “biônicos” a síntese destas tais formas controladas de disputa política? Onde esta o acesso à justiça quando se tem um sensor dentro de sua redação cerceando sua liberdade de expressão? E a que justiça recorreram os parentes de centenas de pessoas que sumiram sem explicação e até hoje ainda esperam por ela?

Quando era criança, ao lado de minha casa uma vizinha, professora universitária, desapareceu do dia para a noite e todo o bairro comentou sigilosamente este fato. Não sofri a perseguição política daqueles anos porque nasci em 1970 mas cresci sob o terror dos anos de chumbo sentindo em minha pele, mesmo pequeno, a força brutal do patrulhamento ideológico da época. Lembro-me muito bem que, durante a década de 70, ao freqüentar as 5 primeiras séries, tinha medo de fazer perguntas aos professores (sobretudo aos de Educação Moral e Cívica) que nos educavam sobre a ideologia que imperava em nosso regime. Frequentemente perguntava a meus pais se podia falar em classe. Tenho a nítida recordação de meus primeiros anos na escola como tempos em que a “lavagem cerebral” era posta em prática nas salas de aula.

Como posso eu, tendo sentido, ainda criança, a brutalidade deste regime, concordar com o termo “ditabranda”? A brandura está nos olhos daqueles que querem apagar as marcas de uma história doída demais para quem a viveu.

No comments: