Tuesday, December 18, 2007

QUEM SOU EU

A volta ao BLOG começou com este texto. Continuo me perguntando todo dia.

Sou quase bipolar. Na verdade multipolar, sem definição de pólo, lugar ou ponto cardeal. Sou norte, sul, leste e oeste. Estou aqui e lá, nos dois lugares ao mesmo tempo e também em lugar nenhum. Tenho ouvidos para tudo, olhos para todos e sei o que acontece em qualquer canto; do jardim ou do mundo. Não tenho tribo, gueto ou clã. Identifico-me com tudo e todos, não consigo me rotular. Não pertenço a ninguém, sou o universo e a molécula, o trânsito em pessoa. Não sei onde estou, estou em todos os lugares ao mesmo tempo. Não tenho “loco” ou foco. Apenas estou. Quem sou?Alguém pode me responder?

Sou oito ou oitenta e todo o caminho entre um e outro. Sou fraco e forte, santo e perverso, fiel e infiel, carinhoso e seco, manso e bravo, dedicado e preguiçoso, trabalhador e vagabundo, inteligente e burro, interessado e desinteressado, estudioso e negligente, emotivo e racional, poeta e “pé-no-chão”, o feijão e o sonho. Sou eu e não sou eu. Imagem do espelho que não reconheço, reflexo da minha vida que não é minha, de atitudes que não são minhas, de palavras que não são minhas, de pensamentos que não são meus. Mas que nasceram de mim. Quem sou eu?

Feliz e infeliz, satisfeito e insatisfeito, homem e mulher, menino e menina, criança e adulto. Sou tudo e nada ao mesmo tempo. O finito e o infinito. O começo e o fim. Sou triste e alegre. Claro e escuro. Brega e chique. Clássico e contemporâneo. Esquerda e direita. Reto e torto.Chato e legal. Prolixo e sucinto. Crente e descrente.

Da vida e na vida. Sou Maria - Maria que tem a “estranha mania de ter fé na vida”. E nas cores, formas, desenhos, cheiros, mãos, pés, cabelos e bocas. Mais ainda, nas pessoas que
vão e não voltam, se juntam mas não se juntam, falam mas não dizem nada, andam e não chegam a lugar nenhum, giram em torno de si próprias e não se encontram, buscam por si mesmas mas não têm ponto de partida ou de chegada. Apenas vagam. Sem destino ou estação final, valores ou pudores, compromissos ou prazos. São apenas: números. Que “traduzem” quem somos, “dizem” quem somos, e fazem da nossa vida um imenso extrato bancário. Sem graça. Sem poesia, sem contato, sem encontro, somente desencontros do vai-e-vem dos carros, avenidas, filas e mais filas. Espera contínua da cidade sem fim. Do beco sem saída, do eu sem avenida.

Ao mesmo tempo sou terra, sou família, sou raiz. Origem. Orígenes. Sou tradição e continuidade, sonho de seguir na avenida do tempo que ficou para trás e insisto em recuperar. Sou história de vida. Sou filho, neto, bisneto, tataraneto. Sou brasileiro genuíno. Não tenho ascendência direta de ninguém. Sou amarelo do índio, preto do africano e branco do europeu. . Mistura de raças e culturas. Creio na força da lenda e do folclore. Não existo sem referência. Não caminho sem estrada.

Sou teimoso, persistente, batalhador e sonhador. Abri minhas picadas pelos caminhos menos percorridos, mas céus, não existo sem alguém ou alguma coisa para me dizer quem sou. Mas quem sou eu? Quem me diz o que é certo ou errado? Quem pode dizer a mim mesmo o que é isto ou aquilo, quem pode me dizer o que fazer? Caminho procurando esta resposta, experimentando estas respostas, testando os limites, valores e a própria tradição que existe dentro de mim. Experimento a vida desde pequeno pensando no que é bom e no que não é bom, no que posso e não posso, no que devo e não devo, no que é certo e no que não é certo, no que é ético e não é ético.

Caminho sob pressão. Caminho sob tensão. Estendendo valores e buscando respostas próprias. Mas nem sempre as encontro. Tem sempre alguma referência, alguma régua, alguma escala, algum termômetro. Que foram colocados a mim pela família, Igreja, sociedade, escola ou empresa. Sou um HD formatado que tenta se desformatar e busca sua liberdade. Sou um inconformado cansado de apanhar por dizer o que acha e de pagar o preço da integridade. Sou um Don Quixote fora de época ou de lugar, no túnel do tempo que se perdeu. Sou o eu fora de padrões dentro do eu totalmente padronizado. Sou a dialética do desencontro e do encontro. Sou a diferença das somas, das massas e da geléia geral. Sou sozinho, sou eu mesmo à procura de mim mesmo.

Sou o rei coroado sem coroa, o dono de fazenda sem terras, o nobre sem o título de nobreza, o dono da casa grande que mora na senzala, o escritor sem livros, o músico sem instrumento, o rico sem dinheiro.

Quem sou eu?

Aquele que busca o palco para a vida se apresentar.

Fernando Lessa, 37 ANOS.

1 comment:

Dudalessa said...

Bem, eu conheço essa pergunta...
E esse lindo texto.