Sunday, December 23, 2007

A HISTÓRIA DO SABIÁ

Para minha filha Beatriz

"Sabiá lá na gaiola fez um buraquinho,
Voou, Voou, Voou
E a menina que gostava tanto do bichinho,
Chorou, chorou, chorou"

Era uma vez uma sabiá de peito amarelo que cantava nas árvores. Era livre e vivia de árvore em árvore a buscar o melhor lugar para ver o mundo. Lá do alto via tudo e todos com seus olhos que mais eram de águia. Via a vida passar e as pessoas correrem e nunca se preocupava com nada. A vida pasava e sua única preocupação era ser livre. Não havia moeda, tempo ou árvore que o prendesse. Ele voava alto e lá de cima via os outros e suas vidas. Não se preocupava com nada a não ser em voar.

Passou anos voando a procurar sua felicidade e a viver em função dela. Passou por cidades, países, geografias distantes que o levaram a pensar em si mesmo e na sua própria ausência de limites para falar e cantar. Para ele a verdade era sua e todos os outros sabiás não sabiam o que faziam e por isso não conseguiriam o topo das árvores.

Até que um dia, depois de ter atingido vários topos de árvores, o sabiá percebeu que não havia mais como entender o mundo sem olhar para seu próprio peito amarelo. Resolveu parar e ficar muito atento. Resolveu fazer um outro tipo de vôo e conhecer seu próprio peito amarelo.

Foi voando, voando, voando, cada vez mais para dentro do seu peito amarelo e foi descobrindo coisas novas que não faziam parte daquilo que ele achava conhecer. Foi devagar lutando contra os outros sabiás que o chamavam de volta a voar, mas ele ficava parado voando pra dentro de si. Foi olhando para seu próprio peito amarelo e vendo diferentes tons neste amarelo. Viu também diferentes texturas para seu pelo, sentiu as asas menores do as tinha. Foi ficando triste e perdendo sua auto-estima, vendo aquele pássaro altivo de outros dias transformar-se em um pequeno e simples sabiá. Foi deixando que as pessoas lhe dissessem o que quisessem, o tratassem da forma que quisessem, foi vendo que os outros achavam que podiam fazer com ele o que quisessem. E se deixou prender em uma gaiola.

Nesta gaiola ficou por muitos anos e muitos dias, triste, pensativo, deixando-se muitas vezes até ser humilhado. Nesta gaiola foi ficando, esperando resignadamente que o tempo troxesse as respotas. Pensava no sabiá que um dia fora e em tudo que já tinha feito e não entendia porque estava ali naquela gaiola preso. Não conseguia fazer com que a gaiola ao menos fosse confortável. Ao contrário, a cada dia ela parecia diminuir. Sufocava e oprimia o sabiá que ali ficava sem ar. Era o preço da falta de luta e do conformismo. Só que ele não conseguia naquele momento lutar e toda sua preocupação estava em sobreviver sem ar.

Tentando respirar e manter-se vivo naqueles tempos de confinamento e sofrimento, lembrou-se de todos os vôos em que olhava para os outros de cima e se achava melhor e mais poderoso do que eles. Lembrou-se dos dias em que achava que seu peito amarelo era o mais bonito de todos e que, nem sempre, os outros sabiás gostavam disso. Lembrou-se também de que os outros sabiás, que voavam mais baixo que ele, estavam agora voando mais alto. E que ele estava preso.

Mas no fundo ele acreditava que fosse conseguir sair daquela gaiola e, um dia, começou a fazer um buraquinho. Devagarzinho, ainda sem forças, usando toda a energia que ainda não tinha começou a fazer seu buraquinho. Começou a acreditar que era possível novamente ser livre e feliz e mais uma vez poder voar alto. Mais uma vez sonhar com o topo das árvores. Viu que a gaiola estava dentro dele (uma vez que ninguém podia colocar aquele sabiá na gaiola) e viu que o ar que lhe faltava era o mesmo que sempre havia respirado.

A cada dia por vários anos foi fazendo seu buraquinho. Até que um dia, com novos olhos, ele voou.

2 comments:

Dudalessa said...
This comment has been removed by the author.
Dudalessa said...

Oi, fazia muito tempo que eu não chorava ao ler algo...
Somos todos sabiás, Fê... Essa história pode ser sua, minha, de qualquer um que não suporte viver amarrado e sufocado... Mas, essa liberdade... Ah, ela é nossa. Sempre estará em todos nós, ou pelo menos em quem a permitir.
Voe sempre bem alto, sinta o vento , não importando qual seja a sua direção... Faça como o maior de todos os pássaros e construa o SEU ninho no topo da mais alta montanha que existir... Olhe para a vida sempre de cima.
Lindo o texto!!!
Eu amei.
Beijos,
Duda