Para minha filha Beatriz
"Sabiá lá na gaiola fez um buraquinho,
Voou, Voou, Voou
E a menina que gostava tanto do bichinho,
Chorou, chorou, chorou"
Era uma vez uma sabiá de peito amarelo que cantava nas árvores. Era livre e vivia de árvore em árvore a buscar o melhor lugar para ver o mundo. Lá do alto via tudo e todos com seus olhos que mais eram de águia. Via a vida passar e as pessoas correrem e nunca se preocupava com nada. A vida pasava e sua única preocupação era ser livre. Não havia moeda, tempo ou árvore que o prendesse. Ele voava alto e lá de cima via os outros e suas vidas. Não se preocupava com nada a não ser em voar.
Passou anos voando a procurar sua felicidade e a viver em função dela. Passou por cidades, países, geografias distantes que o levaram a pensar em si mesmo e na sua própria ausência de limites para falar e cantar. Para ele a verdade era sua e todos os outros sabiás não sabiam o que faziam e por isso não conseguiriam o topo das árvores.
Até que um dia, depois de ter atingido vários topos de árvores, o sabiá percebeu que não havia mais como entender o mundo sem olhar para seu próprio peito amarelo. Resolveu parar e ficar muito atento. Resolveu fazer um outro tipo de vôo e conhecer seu próprio peito amarelo.
Foi voando, voando, voando, cada vez mais para dentro do seu peito amarelo e foi descobrindo coisas novas que não faziam parte daquilo que ele achava conhecer. Foi devagar lutando contra os outros sabiás que o chamavam de volta a voar, mas ele ficava parado voando pra dentro de si. Foi olhando para seu próprio peito amarelo e vendo diferentes tons neste amarelo. Viu também diferentes texturas para seu pelo, sentiu as asas menores do as tinha. Foi ficando triste e perdendo sua auto-estima, vendo aquele pássaro altivo de outros dias transformar-se em um pequeno e simples sabiá. Foi deixando que as pessoas lhe dissessem o que quisessem, o tratassem da forma que quisessem, foi vendo que os outros achavam que podiam fazer com ele o que quisessem. E se deixou prender em uma gaiola.
Nesta gaiola ficou por muitos anos e muitos dias, triste, pensativo, deixando-se muitas vezes até ser humilhado. Nesta gaiola foi ficando, esperando resignadamente que o tempo troxesse as respotas. Pensava no sabiá que um dia fora e em tudo que já tinha feito e não entendia porque estava ali naquela gaiola preso. Não conseguia fazer com que a gaiola ao menos fosse confortável. Ao contrário, a cada dia ela parecia diminuir. Sufocava e oprimia o sabiá que ali ficava sem ar. Era o preço da falta de luta e do conformismo. Só que ele não conseguia naquele momento lutar e toda sua preocupação estava em sobreviver sem ar.
Tentando respirar e manter-se vivo naqueles tempos de confinamento e sofrimento, lembrou-se de todos os vôos em que olhava para os outros de cima e se achava melhor e mais poderoso do que eles. Lembrou-se dos dias em que achava que seu peito amarelo era o mais bonito de todos e que, nem sempre, os outros sabiás gostavam disso. Lembrou-se também de que os outros sabiás, que voavam mais baixo que ele, estavam agora voando mais alto. E que ele estava preso.
Mas no fundo ele acreditava que fosse conseguir sair daquela gaiola e, um dia, começou a fazer um buraquinho. Devagarzinho, ainda sem forças, usando toda a energia que ainda não tinha começou a fazer seu buraquinho. Começou a acreditar que era possível novamente ser livre e feliz e mais uma vez poder voar alto. Mais uma vez sonhar com o topo das árvores. Viu que a gaiola estava dentro dele (uma vez que ninguém podia colocar aquele sabiá na gaiola) e viu que o ar que lhe faltava era o mesmo que sempre havia respirado.
A cada dia por vários anos foi fazendo seu buraquinho. Até que um dia, com novos olhos, ele voou.
2 comments:
Oi, fazia muito tempo que eu não chorava ao ler algo...
Somos todos sabiás, Fê... Essa história pode ser sua, minha, de qualquer um que não suporte viver amarrado e sufocado... Mas, essa liberdade... Ah, ela é nossa. Sempre estará em todos nós, ou pelo menos em quem a permitir.
Voe sempre bem alto, sinta o vento , não importando qual seja a sua direção... Faça como o maior de todos os pássaros e construa o SEU ninho no topo da mais alta montanha que existir... Olhe para a vida sempre de cima.
Lindo o texto!!!
Eu amei.
Beijos,
Duda
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