Friday, August 15, 2008

PÁGINAS DA VIDA

Para Fábio Martinelli

Triste e cabisbaixo esperava na ante-sala do crematório da Vila Alpina o início da cremação do pai de um amigo. Para mim essa espera representava uma enorme expectativa já que nunca havia presenciado uma cerimônia de cremação anteriormente. Meu avô falecera em 1990 enquanto eu viajava de férias e não pude comparecer à sua cremação. Desde então, sempre quis saber como era essa cerimônia. Confesso que não achei muito agradável, mas certamente é menos triste do que ver alguém jogando terra sobre uma pessoa querida. Das tristezas, talvez a menos dolorida. Mas morte é sempre morte, de um jeito ou de outro.

Enquanto esperávamos nesta pequena sala, apertada e escura, descobri um livro que ficava sobre uma mesa. Curioso que sou (não posso ver um livro por perto), fui até ele para ver do que se tratava. Era um livro de despedida que me levou a muitas estórias de vida. Ali mensagens eram deixadas para pessoas que haviam partido. É sempre muito difícil lidar com a morte e, naquele momento de dor do meu amigo, onde nada pude fazer, aquelas palavras me confortaram. Caligrafias diferentes, estórias diferentes, dores diferentes. Ao passar rapidamente meus olhos por aquelas páginas fui vendo o quanto a vida pode ser cruel, o quanto sofremos pelas pessoas queridas (que podem ou não reconhecer este esforço), e quão impotentes realmente somos.

Era poesia pura, estórias escritas à mão, às vezes com dificuldade por mãos trêmulas, desabafando em um momento de extrema dor. Frustrações, brigas, reconciliações passavam por aquelas páginas. Lendo os depoimentos ia percebendo minhas besteiras, minhas limitações e quanto tempo perco em bobagens nesta vida que pode ir embora de um minuto para o outro. Rapidamente, em poucos minutos, estava tendo uma tremenda lição de vida, com a maior simplicidade do mundo, da maneira mais singela possível. Aquelas pessoas, que ali deixaram suas mensagens para seus parentes, jamais poderão imaginar em suas vidas que estavam ajudando a um estranho a quem jamais conhecerão. Lágrimas corriam por meus olhos ao ver tanta complexidade, tanta iniquidade, tantos conflitos em tão pouco espaço e tempo. A vida de famílias estava ali sendo resumida. Anos de história, de trabalho, de conflitos. Quantos percalços não passou um sujeito que se desculpa e perdoa seu irmão em um livro de pêsames no dia de seu enterro? Quantos anos teriam eles ficado sem se falar?

Imaginando a história de cada uma daquelas famílias passei o tempo contornando a dor que se tornou inevitável e incontrolável ao ver meu amigo sofrer sem que nada eu pudesse fazer.

Na minha impotência, chorei. Por mim e por ele.
(Escrito em outubro de 2001).

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