Wednesday, December 10, 2008

Ações na bolsa do futebol

"Minhas filhas e o São Paulo são minha vida". Com esta frase Rogério Ceni definiu seu amor pelo São Paulo em entrevista a Galvão Bueno no programa Bem Amigos. Quem viveu a mesma situação de Rogério para ter uma filha entende a força desta declaração de amor. Há 18 anos Rogério joga pelo São Paulo, o mesmo tempo que Pelé permaneceu no Santos. Se jogar mais uma temporada pelo time, Rogério vai se igualar a grandes atletas do passado que passaram quase duas décadas em um mesmo clube. Rogério Ceni é um atleta diferente da maioria dos que hoje joga nos times brasileiros. Primeiro porque ama de verdade a camisa que veste e o escudo que defende. Segundo porque não querer deixar o clube em que joga, por mais propostas que possa vir a receber. Além do grande goleiro que é.
Atualmente o futebol é uma indústria e um enorme show-business onde os jogadores são apenas peças de um tabuleiro que movimenta bilhões de euros. Na realidade, uma grande bolsa de valores, onde os jogadores são os títulos de valor futuro (literalmente). Hoje um adolescente de um time do interior que tem algum talento para o futebol já tem seu "manager" e seu passe sendo negociado com projeção de valor para um período de dez anos. Antes de mesmo de se firmar como atleta e praticar os fundamentos do esporte, o grande objetivo é ir para o futebol europeu. Um enxame de empresários o leiloa como uma ação na bolsa de valores, muitas vezes prejudicando a formação da mentalidade de um verdadeiro atleta. O garoto que hoje joga futebol no interior não sonha mais em jogar pelo São Paulo, Palmeiras ou Flamengo. Sonha em jogar pelo Chelsea, Milan ou Barcelona. Nada contra este sonho, muito pelo contrário, mas sim contra a origem deste sonho. Todos devem alimentar o sonho de ser o craque de um grande clube, ganhar fama, dinheiro e títulos. Pelo futebol jogado e apresnetado e não porque tem um bom "manager". O problema é que, em minha opinião, o caminho colocado aos jovens jogadores é totalmente deturpado. A eles lhes são colocadas o dinheiro e a fama como objetivo e não a aplicação aos fundamentos do esporte. Claro que o objetivo final tem que ser esse, mas o que NÃO se ensina aos jogadores é que a disciplina do esporte é o único meio para se atingir este fim.
Com este pensamento, formam-se batedores de bola com talento individual, mas não atletas em sua essência. Atletas que cuidam de seu condicionamento físico, treinam os fundamentos e sabem que a aplicação tática é fundamental para a vitória. Com a mentalidade negocial desde o início, ainda em sua fase de formação, os jovens talentos de nosso futebol acabam por não ter sua formação como indivíduos valorizada ou mesmo priorizada. Assim, vemos grandes talentos como Ronaldinho Gaúcho se perderem em meio à fama e dinheiro por não terem sido formados enquanto atletas. Atingem o objetivo final, nem sempre por méritos próprios, mas perdem-se no meio do caminho por não terem conhecido desde cedo a disciplina que o esporte exige e ensina.
Exemplos como o de Rogério Ceni nos mostram os valores que devem ser preservados em uma carreira de jogador de futebol: o amor ao esporte, à camisa e à disciplina. Nada há de errado com a indústria e o negócio do futebol. Não quero aqui parecer saudosista ou melancólico. Quero apenas propor que, ao se identificar um talento com enorme potencial, ele seja tratado como atleta e não uma ação no mercado de títulos futuros do futebol.

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